sábado, 7 de novembro de 2009

Diário Ciclo 03
Mal desço da moto, e me deparo com os olhares atentos e curiosos de um pequeno grupo de crianças, que brincam em frente da pequena escola.A paisagem acinzentada ao redor, me faz lembrar um filme antigo. Olho ao meu redor, as casas simples, algumas ainda de enchimento, me leva a ter uma ideia de como é a situação financeira de alguns dos alunos que certamente freqüentam a sala em que eu irei trabalhar.

Entro na pequena sala, onde percebo um amontoado de moveis, que disputam espaço com um pequeno grupo de professores que se preparam para entrarem na salas de aula.Hoje é o meu primeiro dia na escola Municipal Adolfo Moitinho ,onde eu irei dar aula no grupo 09, no lugar de uma das minhas irmãs, que estar com problemas de saúde .

Encosto-me na janela, as crianças lá fora estão eufóricas, a espera de um grupo de alunos de uma das escolas particulares daqui de Irecê, que costumam fazer visitas, levando brindes e lanches para as crianças.

O ônibus tão esperado chega, trazendo um grupo barulhento de alunos, que descem carregados de lanches, e brindes. Alguns deles se preparam para apresentar a peça do chapeuzinho Vermelho, enquanto outro grupo brinca com os alunos na sala.

Ao final da tarde as crianças estão radiantes, receberam de presente creme dental e escova de dente. Um pouco afastado do grupo, três das alunas choram ao conversar com a diretora. Elas dizem que se emocionaram ao ver a pobreza, daquelas crianças. A diretora, com anos de trabalho naquela comunidade, fala que as crianças naquele dia haviam colocado a melhor roupa que eles tinham, e que em outros dias alguns apareceriam em trajes piores.

Encosto-me em uma das pilastras, e olho para aquelas crianças, e penso, que contribuições eu posso dar para aqueles alunos? Como motivar aquelas crianças a virem à escola? como chamar a atenção daqueles pais de mãos calejadas, pela a lida diária no campo, para a importância da escola, no futuro de seus filhos? Olho para dentro de mim, e penso que talvez, eu leve algum tempo para encontra tais respostas.
Ser
Memórias
.

Relembrar é percorrer um
longo caminho, entre o
perfume das flores e a
dor aguda dos espinhos.
Claudijane.B.Guedes


O piar distante de um pássaro noturno anuncia a chegada de mais um dia em Irecê, a cidade parece adormecida alheia, ao cacarejar insistente de um galo que de peito estufado tenta alertar que um novo dia desponta no horizonte.

Um choro de criança se mistura com os sons que o amanhecer traz e uma doce brisa invade o quarto da mais nova mamãe. Ela aconchega a linda menina em seus braços. Aquele bebê era como raio de sol depois de uma longa tempestade, em pensar que tempos atrás ela chorava pelos seus dois filhos que haviam morrido tão precocemente, um por ter uma saúde frágil e a outra por desidratação, doença essa que já tinha levado muitas crianças á morte, deixando uma dor profunda em seu peito.

E agora Deus a havia presenteado mais uma vez com uma linda menina, que traria novamente a alegria para aquele lar. E apesar do grande tumulto que estava acontecendo em todo o país, com pessoas sendo perseguidas, com o custo de vida elevando a cada dia, com os estranhos desaparecimentos de pessoas, que eram contra o governo de Geisel, ela estava feliz com o nascimento da sua mais nova filhinha.

O homem moreno contempla também o rosto da pequena criança e seus pensamentos parecem trilha o mesmo percurso que o da jovem mãe. Fazendo um grande esforço, para espantar as lembranças melancólicas, ele acaricia o rosto do pequeno bebê e diz:” ela vai chamar Claudijane e há de trazer grandes alegrias para o nosso lar”

A noite se foi, e a cidade, se mistura no doce movimento de ir e de vim de pessoas na feirinha das frutas, e na praça do feijão. O cheiro forte do café das casas se misturam com os doces cheiros do amanhecer. Por uma janela aberta se ouve a voz do cantor Chico Buarque, entoando uma canção, que parece descrever a luta diária daquela gente sofrida, e incomodada com a falta de paz que invadia todo o país:

A gente vai levando,
a gente vai levando,
a gente vai levando,
essa chama, mesmo com todo o emblema,
com todo o problema
Todo o sistema, todo o Ipanema
A gente vai levando,
A gente vai levando,
Essa gema, mesmo com o nada feito,
Com a sala escura
Com um nó no peito,
Com a cara dura


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É dolorido olhar a terra, com um aspecto sofrido e fúnebre, as árvores que em outros tempos enchiam a caatinga de rara beleza, parecem vesti-se de luto, como a acompanhar o enterro de um amigo querido.

Ao longe um mandacaru se destaca entre as folhagens seca das árvores. Até o bem te vi parece ter calado o seu canto, diante de tanta tristeza, reina só o silêncio, quebrado apenas pelo o bater das asas do João de barro, que vai e vem entretido na construção de sua mais nova casa, e o mugir desanimado do gado pela falta do alimento, o urubu- rei espia tudo ao redor como a esperar o ultimo respirar, daqueles que vivem em tão sofrida terra

O sol aquece a terra queimando algum broto de feijão, que teimosamente tenta resistir, a longa espera das chuvas.

A falta de chuvas estava atingindo a todos, inclusive o meu pai que dependia do comercio. Devido a essa falta de trabalho, meu pai resolveu que nós iríamos nos mudar para a roça de um dos meus tios, que se localizava em um povoado de Uibai. Em poucos dias, nos mudamos e ficamos encantados com a beleza daquela cidade simples, com características comuns das cidades do interior da Bahia. Nos quintais das casas, o que se destacavam eram os imensos pés de mangas. Ainda posso saborear os cheiros, daquelas frutas, que eram expostas em grandes bacias de alumínio, de forma a chamar a atenção de quem por ali passava. O ar, ainda lembro-me daqueles cheiros de mato, de areia molhada, de alfavacas, da brisa suave e ligeiramente fresca que batia em nossos rostos de meninas.

Lembro-me bem, que no dia que passamos com a mudança, o carro parou logo na praça, e eu fiquei maravilhada com a visão daquela serra, não resistindo fui até lá, e toquei naquela terra, como para me certificar de que aquela imagem era real